FEMINICÍDIOS E RELAÇÕES DE GÊNERO: ANÁLISE DE CONFLITOS NÃO RELACIONADOS À MANUTENÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO
DOI :
https://doi.org/10.25245/rdspp.v9i3.1038Mots-clés :
Feminicídio. Processos judiciais. Conflitos relacionais. Relações de gênero. Fatores de risco.Résumé
Trata-se de pesquisa documental de análise temática sobre os processos judiciais de feminicídio consumado, ocorridos no Distrito Federal, nos anos de 2016 e 2017. Este artigo analisou 12 casos de feminicídios com conflitos diversos da não aceitação do término da relação afetiva, à luz do referencial teórico dos estudos de gênero. Os casos foram subdivididos em conflitos quanto à criação dos filhos, conflitos patrimoniais, conflitos aparentemente ordinários e conflitos familiares. Demonstrou-se que nestes conflitos há relações de gênero subjacentes à dinâmica violenta, especialmente a reafirmação da autoridade masculina na família, a imposição de expectativas em relação a trabalho feminino e o controle da sexualidade feminina. Em todos os casos houve a presença de fatores de risco, como histórico de violências e uso abusivo de álcool ou outras drogas. Este reconhecimento da desigualdade de poder das mulheres nas relações domésticas e familiares e sua maior vulnerabilidade à violência potencialmente letal sinaliza em sentido contrário a uma eventual interpretação restritiva da Lei Maria da Penha e a favor de políticas públicas de prevenção específicas.
Références
ÁVILA, Thiago Pierobom de. The criminalization of femicide. In: FITZ-GIBBON, Kate; WALKLATE, Sandra; MCCULLOCH, Jude; MAHER, JaneMaree (Eds.). Intimate partner violence, risk and security: securing women’s lives in a global world. Londres: Routledge, 2018, p. 181-198.
ÁVILA, Thiago Pierobom de; MESQUITA, Cristhiane Raisse de Paula. O conceito jurídico de “violência baseada no gênero”: um estudo da aplicabilidade da Lei Maria da Penha à violência fraterna. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, RJ, v.13, n. 1, p. 174-208, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/42985. Acesso em: 14 maio 2021.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 29, n. 2, 2014, p. 449-469. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/se/v29n2/08.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
BANDEIRA, Lourdes Maria. Violência, gênero e poder: múltiplas faces. In: STEVENS, Cristina et al. (Orgs.). Mulheres e violências: interseccionalidades. Brasília: Technopolitik, 2017, p. 14-35. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/35386. Acesso em: 14 maio 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 1022313/DF. Relator: Min. Antonio Saldanha Palheiro, 06 jun. 2017.
BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, Londres, v. 3, n. 2, p. 77-101, 2006.
CAMPBELL, Jacquelyn et al. Risk factors for femicide in abuse relationships: results of a multisite case control study. American Journal of Public Health, Washington, DC, v. 93, n 7, p. 1089-1097, 2003. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1447915/. Acesso em: 14 maio 2021.
CAMPOS, Carmen Hein de. Criminologia feminista: teoria feminista e crítica às criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
CARVALHO, José Raimundo; OLIVEIRA, Victor Hugo. Pesquisa de condições socioeconômicas e violência doméstica e familiar contra a mulher: prevalência da violência doméstica e impacto nas novas gerações. Fortaleza: UFC, 2016. Disponível em: https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2016/12/Pesquisa-Nordeste_Sumario-Executivo.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
CERQUEIRA, Daniel (Coord.). Atlas da violência 2020. Rio de Janeiro: IPEA e FBSP, 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200826_ri_atlas_da_violencia.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
CIDH. Gonzalez e outras vs. México. Série C, n. 205, 2009. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_205_por.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
CNJ; IPEA. O Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Brasília: CNJ, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/7b7cb6d9ac9042c8d3e40700b80bf207.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
COSTA, Albertina de Oliveira; BRUSCHINI, Maria Cristina (Orgs.). Uma questão de gênero. São Paulo: Rosa dos Tempos, 1992.
DATASENADO. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Senado, 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram-ter-sofrido-violencia. Acesso em: 14 maio 2021.
DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina e mentalidades no Brasil Colônia. São Paulo: UNESP, 2009.
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Câmara Criminal). Conflito de Jurisdição 07178789520188070000. Relator: Des. Carlos Pires Soares Neto, 5 nov. 2018.
FBSP; DATAFOLHA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 2ª ed. São Paulo: FBSP, 2019.
GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, SP, v. 35, n.3, p. 20-29, 1995. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rae/v35n3/a04v35n3.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
GOMES, Ana Paulo Portella Ferreira. Como morre uma mulher?: configurações da violência letal contra mulheres em Pernambuco. 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/13977/1/TESE%20Ana%20Paula%20Portella%20Ferreira%20Gomes.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
GREGORI, Maria Filomena. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
HEISE, Lori L.; KOTSADAM, Andreas. Cross-national and multi-level correlates of partner violence: an analysis of data from population-based surveys. Lancet Global Health, v. 3, n. 6, E332-E340, 2015. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/langlo/article/PIIS2214-109X(15)00013-3/fulltext. Acesso em: 14 maio 2021.
HIRIGOYEN, Marie-France. Femmes sous emprise: les ressorts de la violence dans de couple. Paris: Oh! Ed., 2005.
INSTITUTO AVON; DATA POPULAR. Violência contra a mulher: o jovem está ligado? 2014. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/violencia-contra-a-mulher-o-jovem-esta-ligado-data-popular-instituto-avon-2014. Acesso em: 14 maio 2021.
JEWKES, Rachel. Intimate partner violence: causes and prevention. The Lancet, Londres, v. 359, p. 1423-1429, 2002. Disponível em: http://ethicsinhealth.org/wp-content/uploads/2012/01/intimate-patner-violence-jewkes.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
MACHADO, Lia Zanotta. Violência baseada no gênero e a Lei Maria da Penha. In: BARBOSA, Thereza Karina de Figueiredo Gaudêncio (Org.). A mulher e a justiça: a violência doméstica sob a ótica dos direitos humanos. Brasília: AMAGIS, 2016, p. 163-175.
MACHADO, Lia Zanotta; MAGALHÃES, Maria Tereza Bossi de. Violência conjugal: Os espelhos e as marcas. In: SUÁREZ, Mireya; BANDEIRA, Lourdes Maria (Orgs.). Violência, Gênero e Crime no Distrito Federal. Brasília: Ed. Paralelo 15 e Ed. da UnB, 1999.
MEDEIROS, Marcela Novais. Avaliação de risco em casos de violência contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo. 2015. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica e Cultura) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2015. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/20191. Acesso em: 14 maio 2021.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4a ed. São Paulo: RT, 2009.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra: OMS. 2002. Disponível em: http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/14142032-relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
OMS; LONDON SCHOOL OF HYGIENE AND TROPICAL MEDICINE. Preventing intimate partner and sexual violence against women: Taking action and generating evidence. Genebra: Organização Mundial de Saúde, 2010. Disponível em: www.who.int/violence_injury_prevention/publications/violence/9789241564007_eng.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
OUR WATCH. Change the story: a shared framework for the primary prevention of violence against women and their children in Australia. Melbourne: Our Watch, 2015. Disponível em: https://media-cdn.ourwatch.org.au/wp-content/uploads/sites/2/2019/05/21025429/Change-the-story-framework-prevent-violence-women-children-AA-new.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
PASINATO, Wania; MACHADO, Bruno Amaral; ÁVILA; Thiago Pierobom de (Orgs.). Políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher. São Paulo: Marcial Pons, 2019.
ROMERO, Teresa Incháustegui. Sociología y política del feminicídio: algunas claves interpretativas a partir de caso mexicano. Revista Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 29, n. 2, 2014, p. 373-400. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/se/v29n2/04.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
RUSSELL, Diana. Preface. In: RADFORD, Jill.; RUSSELL, Diana (Orgs.) Femicide: The politics of women killing. Nova Iorque: Twayne Publisher, 1992, pp. xi–xv.
SANTOS, Cecília McDowell; PASINATO, Wania. Violência contra as mulheres e violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. Revista E.I.A.L. Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, Tel Aviv, v. 16, n. 1, 2005, p. 147-164. Disponível em: http://eial.tau.ac.il/index.php/eial/article/view/482/446. Acesso em: 14 maio 2021.
SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2003.
SEGATO, Rita Laura. Que és Feminicidio: notas para un debate emergente. Série Antropológica do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, n. 401, 2006. Disponível em: http://dan.unb.br/images/doc/Serie401empdf.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
SMALL ARMS SURVEY. A gendered analysis of violent deaths. Small Arms Survey Research Note, n. 63, 2016. Disponível em: www.smallarmssurvey.org/fileadmin/docs/H-Research_Notes/SAS-Research-Note-63.pdf. Acesso: 14 maio 2021.
SOUZA, Luanna Tomaz; SMITH, Andreza Pantoja; FERREIRA, Vida Evelyn Pina Bonfim. Os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos e a responsabilidade do estado no enfrentamento à violência doméstica e familiar.
Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas – UNIFAFIBE, v. 7, n. 3, p. 163-192, 2019. Disponível em: https://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/646. Acesso em: 14 maio 2021.
ZANELLO, Waleska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.